domingo, 7 de novembro de 2010

Ingenuidades na discussão sobre o racismo [5]

Tenho ouvido e lido comentários variadíssimos sobre a suposta onda de racismo instigada pela campanha eleitoral do PSDB do José Serra. Quero falar brevemente – sempre a mesma inatingível proposta da brevidade! – sobre alguns comentários que considero, na qualificação mais elegante, ingênuos.

O Brasil é de todos nós. E os seres humanos devem agir com amor, respeito e tolerancia.”

O Brasil é de todos nós? Primeiro, nós quem? Segundo, todos quem? Terceiro, o Brasil qual? Gente, não, né? A gente sabe muito bem que determinados grupos são historicamente excluídos de um monte de coisa boa. Procurem dados demográficos sobre correlações entre cor/raça dos brasileiros e renda, grau de instrução, mobilidade social, planos de saúde privados, aquisição de imóveis etc. Que Brasil é de todos nós? O Brasil cujas crianças crescem querendo ser diplomatas é de todos nós? E o Brasil cujas crianças crescem achando que ser traficante é uma alternativa interessante para ser reconhecido socialmente é de todos nós? E onde se concentram, nestes dois Brasis, o maior número de negros e de brancos?
E essa balela da tolerância já é uma forma camuflada de continuar discriminando. O que significa dizer “Eu tolero meus colegas nordestinos”? Significa que eu não gosto deles, que não os aceito, mas que não vou matá-los [é uma metáfora, ok?]. Em outras palavras: “eu sou melhor que você, mas eu o tolero.” Tolerar não é sinônimo de respeitar. Basta dizer a si mesmo frases com “eu tolero...” e “eu respeito...” e perceber como soam.

Ingenuidades na discussão sobre o racismo [4]

Tenho ouvido e lido comentários variadíssimos sobre a suposta onda de racismo instigada pela campanha eleitoral do PSDB do José Serra. Quero falar brevemente – sempre a mesma inatingível proposta da brevidade! – sobre alguns comentários que considero, na qualificação mais elegante, ingênuos.

Os negros brasileiros são lindos, mas acho que devem buscar o seu desenvolvimento e parar de culpar os outros.”

Nem sei se tenho estrutura emocional para comentar este comentário... Respira fundo e... vai com fé! Bom, primeiro, a estética não está na origem do racismo. Até porque o conceito de belo é uma construção social, cultural e histórica. Segundo, o que está na base do racismo e na inferiorização de determinados grupos humanos é grana, bufunfa! Só e sempre ela! Não passa de ingenuidade pensar que os preconceitos raciais, étnicos, religiosos, de opção sexual etc. são conflitos cuja origem é raça, cor, etnia, religião, etc. Não é! O dinheiro, gente, é o inabalável e inconfessável argumento para todos esses preconceitos.
O que vem antes do “mas acho que devem buscar o seu desenvolvimento e parar de culpar os outros” nada mais é do que uma estratégia linguística de negação do racismo, aliás muito bem documentada por van Dijk. O racismo desta pessoa é evidenciado de forma muito clara ao dizer que os negros não buscam seu desenvolvimento e culpam os outros [os brancos, né? Que estão sempre buscando seu desenvolvimento] por sua falta de vontade de se desenvolver. Considerar que a exclusão a bens e serviços de determinados grupos é fruto da falta de vontade desse grupo é um discurso racista tão clássico e nem vai tomar meu tempo agora. E eximir-se da responsabilidade pela exclusão de outros grupos é também um clássico. E clássico é clássico. E vice-versa! [Se não foi Vicente Matheus, foi um jogador de futebol cujo nome não lembro]

Ingenuidades na discussão sobre o racismo [3]

Tenho ouvido e lido comentários variadíssimos sobre a suposta onda de racismo instigada pela campanha eleitoral do PSDB do José Serra. Quero falar brevemente – sempre a mesma inatingível proposta da brevidade! – sobre alguns comentários que considero, na qualificação mais elegante, ingênuos.

Racismo é algo muito tribal. Precisamos parar com isso.

Algumas pessoas atacam o racismo com outros racismos. Ao dizer que racismo é muito tribal, a pessoa evidencia seu preconceito contra um outro grupo. Sabe-se que a palavra “tribo” originalmente faz referência aos povos indígenas. Tanto é que entrou para a lista de palavras politicamente incorretas. É fato que há muito racismo nos nobres países da Europa Ocidental, né? Então, tendo em vista que esses países são, por definição, a civilização, poderíamos dizer que racismo é algo civilizado, não? Não!!! Porque conceitualmente a palavra tribal é sinônimo de tudo que é ruim, mesmo que a ação que se queira qualificar nada tenha a ver com as tribos indígenas. E civilização é tudo de bom, mesmo que seja bem ruim. Resumindo: há tantos preconceitos que sequer percebemos que usamos uns para criticar outros.

Ingenuidades na discussão sobre o racismo [2]

Tenho ouvido e lido comentários variadíssimos sobre a suposta onda de racismo instigada pela campanha eleitoral do PSDB do José Serra. Quero falar brevemente – sempre a mesma inatingível proposta da brevidade! – sobre alguns comentários que considero, na qualificação mais elegante, ingênuos.

Espero que a onda de racismo e ódio, motivados pela campanha do PSDB, tenham fim o mais breve possivel.”

Não tenho dúvidas de que a campanha de Serra foi sim preconceituosa, discriminatória e provincianamente baixa. Sobre isso eu não discuto. A questão é: será que uma campanha eleitoral, que não dura 12 meses [eu acho], têm força suficiente para gerar, criar sentimentos racistas e preconceituosos de tamanha envergadura? Olha, honestamente, as expressões de ódio, preconceito e racismo a que tenho assistido na internet me parecem estar enraizadas há muito, muito tempo em determinados grupos.
Tendo a acreditar que esses sentimentos foram desenvolvidos, mesmo que sutil ou veladamente, de forma bastante constante ao longo da história de determinados estados. Assim, a meu ver, a campanha de Serra – o candidato que este grupo preconceituoso gostaria de eleger – e sua subseqüente derrota nas urnas tenham motivado demonstrações públicas e emblemáticas do racismo e preconceito que já estavam lá. A campanha e derrota do tucano, cujo crânio fora afundado por uma bolinha de papel – não dá pra perder a piada, né? – abriu a ferida e espaço para que pessoas preconceituosas e racistas expressassem o ódio que sentem por determinados grupos, sempre os mesmos: nordestinos e negros.

Ingenuidades na discussão sobre o racismo [1]

Tenho ouvido e lido comentários variadíssimos sobre a suposta onda de racismo instigada pela campanha eleitoral do PSDB do José Serra. Quero falar brevemente – sempre a mesma inatingível proposta da brevidade! – sobre alguns comentários que considero, na qualificação mais elegante, ingênuos.


Não vou retwittar mais nada que faça referência ao tema racismo. Isso é igual m*: quanto mais se mexe, mais fede

É bastante comum achar que não dar ouvido às discussões sobre racismo e preconceito é uma forma de acabar com eles. A proposta de vetar as obras de Monteiro Lobato nas escolas é um exemplo disso. Pensa-se que apagar os conflitos, as passagens preconceituosas e racistas da história brasileira seja mais produtivo do que conhecê-las e problematizá-las. A meu ver, outro engano! Tentar apagar o que já escrevemos em nossa história de forma alguma vai nos dar base para escrever episódios mais democráticos nas páginas que ainda estão em branco. Por isso, sugestões do tipo “vamos parar com essa discussão!” são absolutamente indesejáveis. Vamos falar sobre racismo, sobre preconceito. Vamos ouvir os diferentes grupos. Vamos contestar os racistas e preconceituosos. Só essa problematização ampla e aberta pode trazer à tona injustiças históricas e proporcionar novas bases para as relações entre os diferentes grupos. Acharam que eu ia dizer “novas bases para as relações entre sulistas, paulistas e nordestinos”, né? Pois é, ta aí, disse!

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

35 milhões X 32 milhões

Não estou com muito tempo para escrever aqui, apesar de ter tido vontade e até algumas ideias. Mas as imagens abaixo merecem ficar registradas no meu blog. Quando eu tiver mais tempo, quero pensar sobre estes textos multimodais [verbais e imagéticos, neste caso] e sobre a forma como determinados brasileiros são representados.

Um deles é a capa da Revista Veja de agosto/2006. O outro, a capa da Revista Carta Capital de novembro/2010. Revistas cujos "perfis jornalísticos" me parecem diametralmente opostos. A Veja, para mim, é um catálogo de produtos. E não é uma metáfora! 52% das páginas da Veja, pelas quais as pessoas pagam, são de publicidade. Mais da metade da revista. Gosto da Carta Capital. Declarada minha parcialidade, declaro agora minha... ehhh... inquietação quanto às duas capas.














Veja [eleições de 2006] – associado à imagem de uma moça negra está o texto-legenda: “Nordestina, 27 anos, educação média, 450 reais por mês, Gilmara Cerqueira retrata o eleitor que será o fiel da balança em outubro”.

Carta Capital [eleições de 2010] – associado à imagem de um senhor negro lê-se o texto-legenda: “Estimulada por uma campanha raivosa, parte do eleitorado da oposição declara ódio aos nordestinos. A quem interessa dividir o Brasil?”

Segundo o Censo Demográfico de 2000, nordeste e sudeste são as duas regiões do Brasil com maiores populações negras [pardas incluídas]. No nordeste, há 35 milhões de negros. No sudeste, 32 milhões. Até onde eu sei, os votos dos eleitores nordestinos têm o mesmo peso dos do sudeste. Ou não? Se a população de negros do sudeste é muito próxima à do nordeste, então... ué?!

Minha inquietação: por que, sempre que se quer representar os eleitores nordestinos – para o bem ou para o mal [ressalto que esse “bem” definitivamente não tem a ver com o jingle do Serra] –, usa-se a imagem de uma pessoa negra? Em outras palavras, por que o eleitor nordestino, considerado ignorante por um grupo que se acha branquinho, bonitinho e do bemzinho [agora tem a ver com o Serra!], em geral do sudeste, é representado por negros? O que o negro significa – de ruim, claro! – para alguns segmentos da sociedade brasileira que o faz ser escolhido sempre que se quer vincular nordeste à ignorância política?